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Difícil imaginar uma pessoa que passe hoje um dia sequer sem fazer um negócio jurídico que se enquadre em uma relação de consumo. A compra de uma coxinha, de uma cama, um refrigerador, um carro e até uma casa são exemplos típicos de negócio jurídico que se enquadram na relação de consumo, ou seja, que são abarcadas pelas normas contidas no Código de Defesa do Consumidor (CDC). Para facilitar essa relação, principalmente nas operações mais complexas e de valor elevado, existem os bancos de dados e cadastros de consumidores que auxiliam na segurança do negócio.
Ao consultar o site do SPC Brasil, a empresa deixa claro qual é sua função na relação de consumo ao afirmar que "mais do que simplesmente auxiliar as empresas na concessão de crédito, apoiamos os processos de tomada de decisão com informações, inteligência, soluções de negócio e identidade digital. Assim, buscamos não apenas ser o maior banco de dados da América Latina, mas a principal plataforma integradora de informação e inteligência de dados, capaz de impulsionar e transformar toda a economia brasileira".
A base de um banco de dados e cadastro de consumidores deve respeitar, primeiramente, o que dispõe o Código de Defesa do Consumidor, que enumera características e direitos básicos:
"Artigo 43 — (omissis)
§1° Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§2° A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele".
Esse ponto de partida então se resume a: informações objetivas, claras, verdadeiras, em linguagem de fácil compreensão, respeito ao prazo prescricional do débito e comunicação prévia da inclusão do nome do consumidor no cadastro de proteção. Ainda quanto ao direito/dever, o Código de Defesa do Consumidor determina que "todas as informações de que trata o caput deste artigo devem ser disponibilizadas em formatos acessíveis [1], inclusive para a pessoa com deficiência, mediante solicitação do consumidor".
Contudo, esse balizador da operação disposto no CDC não é capaz de resolver todos os problemas dessa relação, cabendo, então, ao Poder Judiciário intervir em situações pontuais e específicas para definir a aplicação das normas aos casos concretos. Esse papel coube ao Superior Tribunal de Justiça, que já enfrentou algumas questões e assim decidiu:
Comunicação Prévia da inscrição e Aviso de Recebimento — A Súmula 404 [2], editada em 2009, considera dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta que comunica ao consumidor a inclusão de seu nome em banco de dados de inadimplentes. A ministra Nancy Andrighi, relatora, afirmou que não é necessária a comprovação, mediante AR, da notificação prévia do devedor sobre a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes, pois o parágrafo 2º do artigo 43 do Código de Defesa do Consumidor (CDC) não exige tal providência, sendo suficiente que o órgão de proteção ao crédito comprove o envio da correspondência para o endereço fornecido pelo credor.
Exclusão do nome do devedor após o pagamento — No Tema 735 (REsp 1.424.792), a 2ª Seção estabeleceu que, mesmo tendo sido regular a inscrição do nome do devedor, cabe ao credor, após o integral pagamento da dívida, requerer a exclusão do registro, no prazo de cinco dias úteis, a contar do primeiro dia útil subsequente à quitação. O entendimento desse repetitivo levou à edição da Súmula 548 [3].
Ausência de comunicação sobre a inscrição e danos morais — Ao julgar os Temas 40 e 41 dos recursos repetitivos (REsp 1.062.336), a 2ª Seção discutiu a possibilidade de indenização por danos morais diante da falta da comunicação prévia ao consumidor sobre a inscrição de seu nome — exigência do parágrafo 2º do artigo 43 do CDC —, nos casos em que exista inscrição anterior realizada regularmente. O julgamento levou à edição da Súmula 385 [4]. A falta de comunicação prévia acerca da inscrição também gera dano moral, a menos que o consumidor possua outras inscrições legítimas. "Quando não se notifica e já existe registro, configurado está o estado de inadimplemento do devedor. A sua situação jurídica é de inadimplente", afirmou Noronha.
Dano moral por inscrição indevida, havendo inscrição pré-existente —No julgamento do Tema 922 (REsp 1.386.424) dos repetitivos, a seção firmou a tese de que a inscrição indevida comandada pelo credor, quando preexistente legítima inscrição, não enseja indenização por dano moral, ressalvado o direito ao cancelamento. "A anotação irregular, já havendo outras inscrições legítimas contemporâneas, não enseja, por si só, dano moral. Mas o dano moral pode ter por causa de pedir outras atitudes do suposto credor, independentemente da coexistência de anotações regulares, como a insistência em uma cobrança eventualmente vexatória e indevida, ou o desleixo de cancelar, assim que ciente do erro, a anotação indevida", ressalvou Isabel Gallotti. Em julgamento recente, de fevereiro de 2020, a 3ª Turma flexibilizou a aplicação da Súmula 385 diante das particularidades do caso. No REsp 1.704.002, o colegiado reconheceu dano moral decorrente da inscrição indevida na hipótese de um consumidor que, apesar de ter outras inscrições negativas, moveu ação judicial para questionar esses registros anteriores. Relatora do caso, a ministra Nancy Andrighi afirmou que, em determinadas hipóteses, o consumidor pode ficar em situação excessivamente desfavorável, especialmente quando as ações que questionam os débitos e pedem a compensação por danos morais forem ajuizadas concomitantemente — como ocorreu na situação analisada.
Inscrição por existência de demanda judicial — É lícita a inscrição dos nomes de consumidores por conta da existência de débitos discutidos em processos de busca e apreensão, cobrança ordinária, concordata, despejo por falta de pagamento, embargos, execução fiscal, falência ou execução comum, quando os dados referentes às disputas judiciais forem públicos e tiverem sido repassados pelos cartórios de distribuição de processos judiciais às entidades detentoras dos cadastros, por meio de convênios firmados entre elas e o Judiciário de cada estado, sem intervenção dos credores litigantes ou de qualquer fonte privada.
Inscrição do nome de devedor de alimentos — Em um caso em segredo de Justiça julgado pela 3ª Turma em 2016, os ministros — considerando o princípio do melhor interesse do alimentando — admitiram que na execução de alimentos de filho menor são possíveis o protesto e a inscrição do nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito.
Dívida de contrato dom alienação fiduciária — Outra possibilidade de inclusão de nome em cadastros de restrição de crédito foi definida no REsp 1.833.824, julgado pela 3ª Turma em 2020. Segundo o colegiado, o credor fiduciário, diante da inadimplência do contrato, não é obrigado a vender o bem dado em garantia antes de promover a inscrição do devedor nos cadastros negativos. Nessas hipóteses, independentemente da forma de tentativa de cumprimento da obrigação — se pela recuperação do bem ou pela ação de execução —, a inscrição nos cadastros restritivos tem relação com o próprio descumprimento do contrato. Para a ministra Nancy Andrighi, relatora, a inscrição do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito, em tal cenário, é exercício regular do direito do credor.
Inscrição do nome do devedor via processo judicial — No início do ano de 2020, a 3ª Turma decidiu que o requerimento de inclusão do nome do executado em cadastros de inadimplentes, na via judicial, nos termos do que dispõe o parágrafo 3º do artigo 782 do Código de Processo Civil (CPC), não depende da comprovação de prévia recusa administrativa das entidades mantenedoras do respectivo cadastro. O colegiado deu provimento ao recurso de uma empresa de fomento mercantil contra decisão de tribunal estadual que havia condicionado a inclusão à recusa administrativa.
Importante destacar que não só SPC Brasil e Serasa são bancos de dados de cadastro restritivo ao crédito. O consumidor deve ficar atento também a CCF e Sisbacen, vinculados ao Banco Central, e ao Cadmut, vinculado à Caixa Econômica Federal.
[1] "Artigo 43 - O consumidor, sem prejuízo do disposto no artigo 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes".
[2] "Súmula 404 - É dispensável o aviso de recebimento (AR) na carta de comunicação ao consumidor sobre a negativação de seu nome em bancos de dados e cadastros. (SÚMULA 404, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 28/10/2009, DJe 24/11/2009)(DIREITO DO CONSUMIDOR - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES)".
[3] "Súmula 548 - Incumbe ao credor a exclusão do registro da dívida em nome do devedor no cadastro de inadimplentes no prazo de cinco dias úteis, a partir do integral e efetivo pagamento do débito. (SÚMULA 548, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 14/10/2015, DJe 19/10/2015)(DIREITO DO CONSUMIDOR - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES)".
[4] "Súmula 385 - Da anotação irregular em cadastro de proteção ao crédito, não cabe indenização por dano moral, quando preexistente legítima inscrição, ressalvado o direito ao cancelamento. (SÚMULA 385, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 08/06/2009)(DIREITO DO CONSUMIDOR - INSCRIÇÃO EM CADASTRO DE INADIMPLENTES)".
Fonte: Conjur